A cidade de Jacutinga (MG) é um dos polos de malharias do Sul de Minas. Por lá, muitas mãos se encarregam de produzir as mais variadas peças. Longe das máquinas, a arte de tecer à mão prevalece, feita na maioria das vezes por mulheres. É neste meio que o artesanato de um homem ganhou destaque na cidade. A habilidade e rapidez chamam atenção no trabalho de Eliel Luciano Bressan, um cabeleireiro de 40 anos, que encontrou no crochê uma forma de complementar a renda.
Na cidade, ele faz parte de uma minoria. Dados da Associação Comercial, Industrial e Agropecuária de Jacutinga (Acija) indicam que 95% da produção local de crochê, que é vendida às malharias, é feita por mulheres.
A produção do artesanato de Eliel é feita nas horas de descanso. Sempre que tem um tempo vago no salão, coloca as agulhas para trabalhar. Com destreza, o cabeleireiro dá lugar ao artesão que faz tapetes, roupas e acessórios.
Ele conta que muitas pessoas não sabem sobre seu trabalho com o crochê e se surpreendem. Por isso, surgem as encomendas.
“Eu fico no salão fazendo crochê nas horas vagas, daí a cliente vê e pergunta se eu estou vendendo e logo comenta com a colega, com a vizinha, ou pela internet… é assim que eu vou fazendo”.
O começo da história
Apesar de ainda ser novidade para muitos, a história de Eliel com o crochê já é antiga. Filho caçula de uma família de nove irmãos, Eliel cresceu vendo a mãe e as irmãs tecer peças de crochê. Ele conta que chegava da escola e ia brincar enquanto as mulheres da família trabalhavam com o artesanato. Nesta mistura de talento e observação, ele logo começou a tecer as próprias peças.
“Se alguém me pergunta como eu aprendi a fazer, eu respondo que eu não sei. Tem até amigos meus que brincam, dizem que a minha mãe me ensinou muito bem a fazer crochê. Mas não foi minha mãe que me ensinou. Eu convivi com ela fazendo e aprendi sozinho.”
Eliel recebeu muito apoio da mãe para alimentar o talento com as linhas. Saudoso, ele conta que a mãe faleceu há cinco anos, mas as memórias da infância são boas e permanecem bem vivas.
“Eu lembro que quando eu fazia crochê com a minha mãe, quando acabava a energia, ela acendia a vela pra eu continuar fazendo. Ela falava ‘você pode fazer mais um pouquinho’. A minha mãe era maravilhosa.”
Na época da infância de Eliel, muitas pessoas investiam no trabalho com crochê. A chegada nas malharias, porém, transformou esse cenário.
“Hoje em dia, como tem muitas malharias, muita gente desistiu do crochê para tentar ganhar um dinheiro mais rápido. Porque para fazer crochê, você precisa ficar ali, sentadinho, você gasta umas horas para fazer um cone de linha, então é mais demorado. Quando você trabalha em uma malharia, você pode ter a sua carteira registrada, o seu horário fixo, décimo terceiro, seguro desemprego… então muita gente desistiu do crochê e foi para malharia. No bairro onde eu nasci, São Sebastião dos Rosários, as mulheres ainda trabalham de dia na cidade e à noite elas fazem crochê.”
Novos caminhos
Estar em Jacutinga é, ainda, uma boa oportunidade para quem tem um talento como o de Eliel e resolveu persistir na venda do artesanato.
Na cidade de pouco mais de 25 mil habitantes, são 800 fábricas de malhas, com uma produção que chega a 110 mil peças por ano, considerando pequenas e grandes indústrias. Segundo a Associação Comercial, apenas as fábricas empregam pelo menos 8 mil funcionários diretos. Nestas produções, 90% do trabalho com máquinas pesadas de tecelagem é feita por homens. Já as mulheres são reponsável por 90% das vagas no setor de costura.
“Jacutinga por ter bastante malharia, é interessante o crochê. Porque o turista já vem por causa das malhas e também se interessa pelo crochê. As pessoas daqui da cidade não se interessam muito porque já cresceram neste meio, mas para as pessoas de fora é muito interessante, porque aqui o crochê também sai em um preço mais em conta do que nas lojas das capitais”.
Apesar das boas oportunidades da cidade, o trabalho de Eliel não parece ter fronteiras. Com a parceria de um amigo, ele faz planos para driblar a crise que chegou ao salão em que trabalha e, ainda, dar oportunidades à outras artesãs.
“Eu estou elaborando uns modelos pra vender em lojas em São Paulo. A partir daí, as pessoas vão poder fazer os pedidos, e eu vou pegar para distribuir o serviço. Tem as mulheres que fazem o crochê. Então, a gente pega os pedidos, eu compro o material e vou distribuir pra elas também trabalharem, porque sozinho eu não daria conta. Eu faço a peça piloto.”
“Já que eu faço crochê há tanto tempo, e agora o salão está parado, vou tentar o crochê, porque, quem sabe, não está aí a saída?”
Fazendo do talento um trabalho, ele espera que o artesanato seja mais valorizado. “Não é um trabalho que você faz em um dia. É delicado e demora. Eu acho que deveria sim ser mais valorizado, porque é uma obra de arte”, ele conta.
Para Eliel, o artesanato é uma alternativa excelente. Não só pela renda, mas também pelo prazer que a atividade proporciona.
“Eu acho que o crochê é uma terapia. Pra mim não existe depressão com o crochê. Você distrai muito a cabeça. Tanta gente reclama que não consegue isso, não consegue aquilo, e eu sei que o crochê é uma coisa delicada, e que paga-se muito pouco… Mas em Jacutinga, é tão interessante. Porque se todo mundo que não tem serviço pegasse em uma agulha e tentasse fazer o crochê, já ganhava um troquinho. Minha mãe mesmo falava, é melhor pingar do que secar.”
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