Aos 75 anos, Seu Chico vende peças de crochê feitas por ele
Nordestino não esquenta a cabeça com tabu e expõe suas peças em um cruzamento do bairro Cariobinha, em Americana
As mãos de Seu Chico, calejadas por passarem boa parte da vida enfiadas na terra, conseguem hoje trançar os pontos do crochê com precisão e delicadeza. Os tapetes de barbante que este nordestino faz para vender em Americana, contudo, servem mais para ocupar a mente do que as mãos. “Ainda sou um aprendiz”, garante, isso no auge de seus 75 anos.
Nascido em Princesa Isabel, na Paraíba, Francisco Burgo da Silva foi ainda bebê para a vizinha Flores, em Pernambuco, onde morou até os 18 anos. De lá, seguiu para o Mato Grosso, onde viveu mais de três décadas. Em busca de uma vida melhor, veio para São Paulo. “Eu não consegui, mas meus filhos estudaram. Todos se formaram e têm bons empregos”, contou Chico, pai de cinco filhos e avô de três netos.
Ele começou a trabalhar na roça com 8 anos. Chico também atuou como vendedor em um armazém, trabalhou em uma fábrica de beneficiamento de arroz e mais recentemente como vigilante. Foi nas noites em claro que passava na guarita de uma empresa em Santa Bárbara, que começou a mexer com os barbantes e a agulha de crochê emprestados da esposa, “que não tem paciência para atividades manuais”. Ele conta que aprendeu os primeiros pontos sozinho, isso por volta dos anos 2000, sem saber direito o que estava fazendo. “Eu estava teimando, mas depois fiz um curso na Igreja do (bairro) São Vito e peguei prática”, explica Chico.
Hoje invento motivos: fiz uma vez duas estrelas de cinco pontas, uma dentro da outra”, disse Seu Chico”
Único homem em meio a 80 mulheres aprendendo crochê, ele garante que se sentia à vontade e até impressionava pela habilidade com a agulha. “A mulherada ficou louca quando eu levei a primeira joaninha que tinha feito. Perguntaram como eu tinha conseguido”, gaba-se. “Hoje invento motivos: fiz uma vez duas estrelas de cinco pontas, uma dentro da outra. Mas ainda sou um aprendiz, tem alguns pontos que não sei”, afirma, em uma humildade que transborda e sem se importar com qualquer tipo de tabu.
Improvisação. Seu Chico expõe seus tapetes e passadeiras na esquina entre as ruas São Sebastião e São Simão, no bairro Cariobinha. Foi ali que a reportagem do LIBERAL o encontrou. Três vezes por semana, ele amarra um cabo de vassoura entre uma árvore e um poste, usando a estrutura improvisada para vender seus produtos. As peças variam entre R$ 50 e R$ 100. Enquanto espera pelos clientes, se ocupa fazendo outras. Demora até dois dias para terminar cada tapete. “É que sou lerdo”, brinca.
As vendas? Entre duas e três saídas por mês, mas não é pelo dinheiro que continua o trabalho. Morador de um prédio que fica bem em frente ao seu ponto, ele conta que prefere passar o dia fazendo crochê e ocupando a mente, ao invés de ficar em casa, indo de uma varanda à outra.
“Moro no quinto andar. Se ficar o dia todo olhando para o chão, tem uma hora que não tem para aonde olhar. Se fico olhando a rua, crio um monte de coisa na cabeça”, afirmou. “Vendo pouco, mas é mais para me distrair”, completou.
Seu Chico disse que as vendas são poucas, apenas duas ou três peças por mês
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